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No meio do mundo : Macapá

O Macapá surgiu em nosso caminho como uma miragem, será que realmente o estavamos vendo? Alí chegamos e nos 4 dias que tínhamos vivemos uma experiência única!

O VII Fórum Panamazônico, a Cia. Exíbela e o Consulado Venezuelano de Belém nos abriu os braços para um estado novo de espírito, conhecimento e amizades.

Nós fomos para trabalhar, mas não deixamos de aproveitar nem um instante sequer! No dia em que chegamos já fomos presenteados com uma noite de Marabaixo. Essa dança quilombola, nascida dos negros e mantida até hoje numa tradição e modo de fazer contagiante!

Dançado em uma roda que circunda o terreiro atrás dos tocadores, as cantadeiras conduzem a festa com sua voz forte entoando os "ladrões" (que são as músicas, as toadas cantadas e improvisadas). As dançadeiras lindas com lindas saias rodadas e pés desatados colorem toda a festa.

As mulheres, moças, crianças e senhoras dançam juntas girando a beleza. Uma toalha no ombro adornada como o figurino compõe a noite quente onde se sua a "Gengibirra" (cachaça feita de gengibre) que aquece a festa e que é oferta da família que oferece o Marabaixo, assim como o Caldo. Sem caldo e sem gengibirra, não tem Marabaixo!

Nesta primeira noite conhecemos o Marabaixo do Mestre Pavão e ao Marabaixo do Laguinho.

Encontramos no livro "Sonora Brasil - Tambores e Batuques" do Sesc, um lindo relato acerca da história do Marabaixo contado pela Dona Josefa Pereira Laú, 84 anos, moradora da comunidade de Mazagão Velho, que reproduzo abaixo:

"A minha avó Florzulmira contava que lá na África, naquela era, não tinha um divertimento. Um tempo saiu uma escrava que conversava com a sinhá dela e pediu autorização para formar um coco, no terreiro da casa de chão batido, duro como cimento. Nos domingos, ela convidava as outras escrevas para dançar o coco. Os muchés iam bater a zanga, a caixa, como a gente chama hoje, naquele tempo era a zanga. Os muchés eram os homens, as senhoras eram tratadas de Sá, Sá Maria, Sá Paula, Sá fulana [...] os homens de muché, muché Antonio, muché Pedro... era assim. Então tinha aqueles muchés que sabiam tocar zanga. Eles mesmos faziam e eles mesmos tocavam, eles mesmos tiravam aquelas músicas da cabeça deles. Faziam a música, cantavam, tocavam. Tinha isso lá na África. Era como eles se divertiam. Quando as senhoras ouviam a música ficavam com vontade de ir e fugiam das senzalas, das sinhas, e iam lá dançar. Quando as sinhás sabiam, botavam elas nos troncos de castigo acorrentadas nos braços, no pescoço. Esses colares que a gente usa representam aquelas correntes que acorrentavam elas, nos troncos, nas senzalas.

Vieram para o Brasil portugueses ricos que mandavam na África comprar escravos. Havia pessoas que tinham 10, 15 escravos, e vendiam pra vir para o Brasil. Eram vendidos os escravos. Uma vez foi lá um navio comprar escravos, o dono dos escravos que faziam o coco vendeu os escravos do coco, os muchés, as sás, Sá Maria, Sá Joana... Aquelas pessoas embarcaram. E um muché não queria embarcar, não queria embarcar, mas ajeitaram até que embarcaram ele forçado. Sabe como é, uma coisa que a gente faz obrigado. Ele veio obrigado e se emperreou, emperreou, se emperreou. Era daqueles negros, mesmo! Daqueles de dante. Não quis falar, não quis beber, não quis comer. Não falou com ninguém. Zangou, zangou... E essa viagem dizem que era de mês. Assim eles vieram, e esse homem nada. Agradavam de todo jeito e nada, ele definhou... e morreu, de fome, de sede. Não quis nada! Morreu no porão do navio. E agora? O que fazem os outros? Só faziam rezar, rezar, fizeram o velório, e ele já estava com mau cheiro. E ela, uma velha do grupo, reuniu os companheiros lá no porão e disse: 'Fulano vai nos fazer mal! Já está com esse mal hálito! O mar, Deus fez e consagrou. O mar é consagrado, vamos despedi-lo e jogá-lo no mar.' E assim fizeram. Despediram e jogaram o cadáver no mar. Eles vinham subindo e o corpo desceu sobre as águas, rolando de mar-a-baixo, sobre as ondas. Ela disse: 'Aonde nós chegar e ficar, faremos um coco em homenagem a ele.' Aí chegaram a Terra de Santa Cruz. Saltaram, a senhora contou a história lá e disse: 'Nós queremos fazer um coco aqui, em homenagem ao fulano.' Trouxeram as zangas, os outros muchés, bateram as zangas e elas cantaram. Foram cantar aquele coco, er jogando verso pro fulano... e cantaram, cantaram, cantaram. Depois acabaram. Aí ela reuniu de novo e disse pros outros: 'Agora essa nossa dança, esse coco, não vamos mais tratá-lo de coco. Nós vamos mudar o nome dele, vai ficar MARABAIXO.' Homenageando esse muché que era o líder deles na África. (informação verbal)".

Amapá é um estado predominante negro. Os últimos dados do senso apontam que 70% da população macapaense é composta por afrodescendentes. O que faz com que a cultura trazida e herdada da nossa mãe África ainda pulsa latente.

Por meio de uma amizade feita, como o nosso encontro com o Macapá, quase sem querer, o querido Nego Jamaica nos levou para conhecer a comunidade quilombola do Curiaú. Do qual é morador, defensor e apreciador. Neste passeio um pouco rápido, mas já apaixonante conhecemos um pedacinho encantado desta parte do Brasil.

Em 1998, o quilombo foi regularizado, pela Fundação Palmares, órgão ligado ao Ministério da Cultura. Segundo consta foi o primeiro título de quilombo no país, e em 03 de novembro de 1999, Curiaú recebeu oficialmente o título de “comunidade remanescente de quilombo”. Essa titulação garante direitos constitucionais e políticos, sobretudo no que se refere à demarcação de suas terras.

Lá tivemos o prazer de ter uma rápida conversa com o Sr. Sabá, agricultor e escritor.

Conhecemos também a família do Nego Jamaica, sua avó D. Zefinha e sua mãe D. , ambas cantadeiras e dançadeiras de Marabaixo, tivemos até o privilégio de escutarmos um ladrão no quintal da casa. Douglas recebeu até uma rima espacialmente pra ele, na cozinha, enquanto saboreávamos um café especial, cheio de segredos e de um sabor único e delicioso. Segredo de família, nem adianta tentar...

Finalizamos a manhã no Curiaú com um delicioso banho no rio, transparente e lindo como o Céu!

A noite voltamos ao Curiaú para o Marabaixo de Santa Maria, que mantém a tradição ainda mais enraizada. Quanta boniteza!

Na nossa última noite no Fórum, a festa era da "Noite Crespa". Além de participarmos com o Exíbela com uma apresentação de Lundu, pudemos conhecer mais da cultura da capital, além de dançar suando tudo o que estava preso.

Conhecemos Suani e Ivamar, da dança afro, parceria para toda a vida, do grupo Zimba. Que desenvolve um trabalho belíssimo e muito significativo em Macapá. Você pode encontrá-los no facebook:

Ainda antes de pegar o voo, a Cia. Exíbela e nós do Fragmento Urbano, fizemos um mix de apresentação de Danças, carimbó, lundo, Duoelo, passamos o chapéu e arrecadamos R$ 60,00! Maior alegria!

Já de saída, tivemos uma baixa nos nossos equipamentos. Numa confusão de táxi e malas acabamos deixando nosso ipad e caixa de som no porta malas de algum táxi. Douglas ainda ficou mais um dia lá para ver se encontrava... No entanto, perdemos alguns bens materiais e ganhamos muitos amigos, irmãos, que nos auxiliaram no que foi preciso. Só temos a agradecer!

No meio do mundo encontramos um Brasil que dança, que canta, festeja, celebra, cultua e nos recebeu com tanto carinho.

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